Trago velhas novidades. Os rearranjos das políticas urbanas na Região Portuária do Rio
Por Juliana Menezes Branco Pereira
No dia 04 de junho, o prefeito do Rio de Janeiro lançou o “primeiro residencial do Porto Maravilha”, o Rio Wonder Residences, em evento que ganhou cobertura do RJ1 da Tv Globo. Sua localização na Praia Formosa, a performance do lançamento e as categorias acionadas para sua promoção relembraram uma cena de 2013, quando ironicamente fora também anunciado o “primeiro residencial” da região: o Porto Vida, empreendimento abandonado a poucos metros da nova bola da vez imobiliária.
A volta de Eduardo Paes (DEM/PSD, 2021-2024) à prefeitura tem reaquecido políticas de “revitalização” da Região Portuária que haviam sido desmobilizadas no final de seu último mandato (PMDB, 2009-2017). A sinalização clara dessa retomada de amplos projetos urbanísticos foi vista logo em fevereiro, quando começou a tramitar a Lei Complementar n°11/2021 que instituiu o Reviver Centro, projeto voltado para a reconversão de edificações comerciais em unidades residenciais na Região Central da cidade. Nesse caso, a Operação Consorciada foi substituída pela Operação Interligada, mecanismo de gestão que vem gerando posicionamentos críticos de instituições de arquitetura e urbanismo como o IAB/RJ e a CAU/RJ.
Vemos assim um avançar remodelado do teatro de ações que legitimou as transformações urbanas nos anos precedentes aos grandes eventos esportivos ocorridos na cidade, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Adormecidos durante a gestão de Crivella (Republicanos 2017-2020), período que aprofundou o desgaste do projeto de revitalização, provocando suspensões de serviços da Concessionária Porto Novo, responsável pela manutenção e conservação da região, devido à falta de pagamentos em 2017 e 2019. Agora, em 2021, mais uma vez são reativados discursos e práticas conjugados de patrimonialização e urbanização. Uma costumeira composição de políticas voltadas para a alteração de usos e gestão dos bairros portuários, como apontado por Roberta Guimarães.
Nesse cenário de velhas novidades, o Rio Wonder Residences encontrou os esqueletos do que viriam a ser o Hotel Holiday Inn e o Porto Vida Residencial, projetos selecionados pelo Concurso Porto Olímpico (2010-2011) e que se viram esvaziados após Eduardo Paes sinalizar o deslocamento dos alojamentos olímpicos para a Zona Oeste da cidade. Na época, a justificativa para mudança foi de que ela iria poupar recursos. Ficou então a cargo do mercado imobiliário a continuidade dos projetos, interesse que devido a múltiplos fatores, entre eles os escândalos ligados à Lava Jato, não ocorreu.
Hoje, esses esqueletos permanecem como um incômodo “legado Olímpico” que a Prefeitura parece querer colocar à sombra com o novo empreendimento imobiliário. Contudo, como moradora da localidade e realizadora de uma dissertação de mestrado em ciências sociais sobre o tema, tenho visto, registrado e exposto as ruínas da revitalização desde 2013. A ideia de produzir re-fotografias sobre a progressão das obras na área da Praia Formosa foi inspirada pela utilização do método nos observatórios fotográficos de paisagens franceses, analisado por Ana Maria Galano. Tratava-se de uma investigação sobre a quarta dimensão da paisagem, o tempo, através da montagem de sequências fotográficas com o mesmo enquadramento.
Na primeira sequência, tomo a fotografia de cima do Morro do Pinto, produzindo um recorte espacial que possibilita observar o terreno onde se desenvolveram as obras. O Porto Vida Residencial figura então inicialmente sozinho na paisagem, até as obras estancarem entre os anos de 2014 e 2015 e restarem apenas estruturas de poucos andares. No mesmo período, o prédio espelhado do Hotel Holiday Inn toma a linha do horizonte. Mas, na penúltima fotografia, realizada em 2017, ano seguinte aos Jogos Olímpicos, é possível perceber que esse projeto também ficou inacabado: o hotel, apesar de aparentemente concluído, ainda não possuía duas janelas no último andar. Situação que permanece até agora, como mostra a tomada de 2021.
Na segunda sequência, as imagens são registradas a partir de outro ponto de vista, na Via D1, na calçada oposta ao empreendimento. É possível notar com mais detalhes a paralisação das obras do Porto Vida Residencial e a degradação da estrutura erguida em 2013.
Depois de acompanhar por oito anos as transformações da região, os discursos e práticas parecem se repetir. Volta-se a comemorar a venda dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) e o mesmo prefeito ressurge com falas entusiasmadas. Muitas performances e agenciamentos seguem buscando mobilizar as intervenções urbanas que se (re)anunciam. Mas fica a pergunta para os moradores e frequentadores do Santo Cristo: conseguirá o Rio Wonder Residences superar a fissura urbana deixada pela incompletude dos empreendimentos vizinhos? A ver.
Juliana Menezes Branco Pereira é antropóloga, pesquisadora do NESP, mestre e doutoranda em Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ.