Trago velhas novidades. Os rearranjos das políticas urbanas na Região Portuária do Rio

À esquerda, o terreno previsto para a construção do Rio Wonder Residences, na esquina da Via D1, na Praia Formosa, bairro do Santo Cristo. À direita, os esqueletos dos empreendimentos inconclusos do concurso Porto Olímpico: o Hotel Holiday In (que na imagem oferece a falsa impressão de estar concluído) e o Porto Vida Residencial (na extremidade esquerda da imagem, a construção baixa em ruínas). 17 de maio de 2021. Foto da autora.

Por Juliana Menezes Branco Pereira

No dia 04 de junho, o prefeito do Rio de Janeiro lançou o “primeiro residencial do Porto Maravilha”, o Rio Wonder Residences, em evento que ganhou cobertura do RJ1 da Tv Globo. Sua localização na Praia Formosa, a performance do lançamento e as categorias acionadas para sua promoção relembraram uma cena de 2013, quando ironicamente fora também anunciado o “primeiro residencial” da região: o Porto Vida, empreendimento abandonado a poucos metros da nova bola da vez imobiliária.

A volta de Eduardo Paes (DEM/PSD, 2021-2024) à prefeitura tem reaquecido políticas de “revitalização” da Região Portuária que haviam sido desmobilizadas no final de seu último mandato (PMDB, 2009-2017). A sinalização clara dessa retomada de amplos projetos urbanísticos foi vista logo em fevereiro, quando começou a tramitar a Lei Complementar n°11/2021 que instituiu o Reviver Centro, projeto voltado para a reconversão de edificações comerciais em unidades residenciais na Região Central da cidade. Nesse caso, a Operação Consorciada foi substituída pela Operação Interligada, mecanismo de gestão que vem gerando posicionamentos críticos de instituições de arquitetura e urbanismo como o IAB/RJ e a CAU/RJ.

Vemos assim um avançar remodelado do teatro de ações que legitimou as transformações urbanas nos anos precedentes aos grandes eventos esportivos ocorridos na cidade, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Adormecidos durante a gestão de Crivella (Republicanos 2017-2020), período que aprofundou o desgaste do projeto de revitalização, provocando suspensões de serviços da Concessionária Porto Novo, responsável pela manutenção e conservação da região, devido à falta de pagamentos em 2017 e 2019. Agora, em 2021, mais uma vez são reativados discursos e práticas conjugados de patrimonialização e urbanização. Uma costumeira composição de políticas voltadas para a alteração de usos e gestão dos bairros portuários, como apontado por Roberta Guimarães.

Nesse cenário de velhas novidades, o Rio Wonder Residences encontrou os esqueletos do que viriam a ser o Hotel Holiday Inn e o Porto Vida Residencial, projetos selecionados pelo Concurso Porto Olímpico (2010-2011) e que se viram esvaziados após Eduardo Paes sinalizar o deslocamento dos alojamentos olímpicos para a Zona Oeste da cidade. Na época, a justificativa para mudança foi de que ela iria poupar recursos. Ficou então a cargo do mercado imobiliário a continuidade dos projetos, interesse que devido a múltiplos fatores, entre eles os escândalos ligados à Lava Jato, não ocorreu.

Hoje, esses esqueletos permanecem como um incômodo “legado Olímpico” que a Prefeitura parece querer colocar à sombra com o novo empreendimento imobiliário. Contudo, como moradora da localidade e realizadora de uma dissertação de mestrado em ciências sociais sobre o tema, tenho visto, registrado e exposto as ruínas da revitalização desde 2013. A ideia de produzir re-fotografias sobre a progressão das obras na área da Praia Formosa foi inspirada pela utilização do método nos observatórios fotográficos de paisagens franceses, analisado por Ana Maria Galano. Tratava-se de uma investigação sobre a quarta dimensão da paisagem, o tempo, através da montagem de sequências fotográficas com o mesmo enquadramento.

10 de abril de 2013

19 de fevereiro de 2014

18 de agosto de 2015

21 de abril de 2017

03 de junho de 2021

Na primeira sequência, tomo a fotografia de cima do Morro do Pinto, produzindo um recorte espacial que possibilita observar o terreno onde se desenvolveram as obras. O Porto Vida Residencial figura então inicialmente sozinho na paisagem, até as obras estancarem entre os anos de 2014 e 2015 e restarem apenas estruturas de poucos andares. No mesmo período, o prédio espelhado do Hotel Holiday Inn toma a linha do horizonte. Mas, na penúltima fotografia, realizada em 2017, ano seguinte aos Jogos Olímpicos, é possível perceber que esse projeto também ficou inacabado: o hotel, apesar de aparentemente concluído, ainda não possuía duas janelas no último andar. Situação que permanece até agora, como mostra a tomada de 2021.

17 de maio de 2021

20 de abril de 2017

Na segunda sequência, as imagens são registradas a partir de outro ponto de vista, na Via D1, na calçada oposta ao empreendimento. É possível notar com mais detalhes a paralisação das obras do Porto Vida Residencial e a degradação da estrutura erguida em 2013.

Depois de acompanhar por oito anos as transformações da região, os discursos e práticas parecem se repetir. Volta-se a comemorar a venda dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) e o mesmo prefeito ressurge com falas entusiasmadas. Muitas performances e agenciamentos seguem buscando mobilizar as intervenções urbanas que se (re)anunciam. Mas fica a pergunta para os moradores e frequentadores do Santo Cristo: conseguirá o Rio Wonder Residences superar a fissura urbana deixada pela incompletude dos empreendimentos vizinhos? A ver.

 

Juliana Menezes Branco Pereira é antropóloga, pesquisadora do NESP, mestre e doutoranda em Ciências Sociais pelo PPCIS/UERJ.